sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Final do Jogo - Julio Cortázar



O nosso reino era assim: uma grande curva das vias concluía o seu arco precisamente à frente das traseiras da nossa casa. Havia apenas o balastro, as travessas e a via dupla, a erva rala e estúpida entre pedras em pedaços onde a mica, o quartzo e o feldspato – que são os componentes do granito – brilhavam como autênticos diamantes ao sol das duas horas da tarde. Quando nos agachávamos para tocar nas vias (sem nos demorarmos muito, pois era perigoso ficar ali durante muito tempo, não tanto pelos comboios mas mais por quem estava em casa, caso nos chegassem a ver) o fogo das pedras subia-nos à cara, e quando nos detínhamos com o vento do rio de frente era um calor molhado que se nos colava às bochechas e às orelhas. Gostávamos de dobrar as pernas, baixando e subindo e baixando outra vez, invadindo uma e outra zona de calor, observando, gostando de ver as nossas caras transpiradas, até ficarmos ensopadas. E caladas sempre, olhando o fundo das vias ou o rio do outro lado, o pedacinho de rio cor de café com leite.

Final do Jogo
Cavalo de Ferro, 2014

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