O nosso reino era assim: uma grande
curva das vias concluía o seu arco precisamente à frente das traseiras da nossa
casa. Havia apenas o balastro, as travessas e a via dupla, a erva rala e
estúpida entre pedras em pedaços onde a mica, o quartzo e o feldspato – que são
os componentes do granito – brilhavam como autênticos diamantes ao sol das duas
horas da tarde. Quando nos agachávamos para tocar nas vias (sem nos demorarmos
muito, pois era perigoso ficar ali durante muito tempo, não tanto pelos
comboios mas mais por quem estava em casa, caso nos chegassem a ver) o fogo das
pedras subia-nos à cara, e quando nos detínhamos com o vento do rio de frente
era um calor molhado que se nos colava às bochechas e às orelhas. Gostávamos de
dobrar as pernas, baixando e subindo e baixando outra vez, invadindo uma e outra
zona de calor, observando, gostando de ver as nossas caras transpiradas, até ficarmos
ensopadas. E caladas sempre, olhando o fundo das vias ou o rio do outro lado, o
pedacinho de rio cor de café com leite.
Final do Jogo
Cavalo de Ferro, 2014
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