domingo, 12 de outubro de 2014

O nosso reino era assim - sobre um conto de Julio Cortázar


“Final do jogo” tematiza a emergência da adolescência como jornada identitária, a partir de um jogo que três raparigas encenam diariamente num caminho-de-ferro. Esse jogo constitui a dimensão performativa, tacteante, desse projecto de maioridade, definido num espaço de viagem (identitário, por definição, segundo Guattari). O espaço do jogo constitui um reino alheado do mundo da casa, através de uma passagem iniciática para um progressivo afastamento do espaço topofílico (Bachelard), do espaço da casa familiar, passagem essa necessária para a construção da individualidade.

A entrada em jogo de um quarto elemento, figura masculina erotizada, serve de pretexto à vocação de individuação das três raparigas, que até então se dispunham numa ordem gregária apaziguada, despoletando nelas a dimensão ambígua das relações adultas (dispostas entre eros e tânatos) que agudiza a alteridade mútua, vista conflitualmente como déficit (Freud), passo necessário à gestação da identidade (Ricoeur). Pouco a pouco, elas vão descobrindo o mundo das relações ao modo do negócio, da diferenciação, o qual anula o ócio da brincadeira infantil, prenunciando o final do jogo, o final do espaço lúdico (Schiller) como espaço da ilusão do real, descobrindo a tristeza, a mentira e a morte.

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