Está frio. É preferível fundir as
mãos na névoa
como um pano húmido, e
rectificar a pontaria.
Terminada a operação, o
cirurgião lava as mãos
e a enfermeira sente
estremecerem-lhe os seios.
Não acordem o rouxinol que
dorme no gume do bisturi,
inclinem-se sobre a pia de água
benta
e comprovarão que ficou gelada
em nome do pai, do filho e do espírito santo. Tombem-se
sobre a mesa
de operações e sentirão o calor
do candeeiro,
e sentirão avançar comboios
pelos ladrilhos
e tijolos com carruagens
carregadas de pedras,
e escapulários galhofeiramente
agitados pelo vento.
Porque está frio e os joelhos
adoptam a forma de rostos
e as redes dos pescadores
escorrem entre as rochas,
e além disso estou
profundamente aborrecido
de tanto frio, e tanto sal, e
tanta solução de continuidade.
Não entrem nessa loja de
aparelhos eléctricos
que duplicam o frio com os seus
dentes de alumínio,
não penetrem na boca do próximo
nem pronunciem a palavra liberdade,
porque agora caiu inteira da
torre para o reservatório,
chocou contra o gelo e
gretou-se como um lábio adolescente,
devo dizer-vos para que deixem de
fumar porque o fumo transforma-se instantaneamente em estalactites,
tenham cuidado com os cabos da
luz e os véus de noiva,
abram a porta com cuidado não
vá aparecer o frio com a sua roupa de lata,
deixem de sorrir se querem
segurar um raio entre os lábios,
porque está frio e comprei o
jornal para comprovar uma vez mais a falta de informação.
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