quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Falta de informação



Está frio. É preferível fundir as mãos na névoa
como um pano húmido, e rectificar a pontaria.
Terminada a operação, o cirurgião lava as mãos
e a enfermeira sente estremecerem-lhe os seios.
Não acordem o rouxinol que dorme no gume do bisturi,
inclinem-se sobre a pia de água benta
e comprovarão que ficou gelada em nome do pai, do filho e do espírito santo. Tombem-se sobre a mesa
de operações e sentirão o calor do candeeiro,
e sentirão avançar comboios pelos ladrilhos
e tijolos com carruagens carregadas de pedras,
e escapulários galhofeiramente agitados pelo vento.
Porque está frio e os joelhos adoptam a forma de rostos
e as redes dos pescadores escorrem entre as rochas,
e além disso estou profundamente aborrecido
de tanto frio, e tanto sal, e tanta solução de continuidade.
Não entrem nessa loja de aparelhos eléctricos
que duplicam o frio com os seus dentes de alumínio,
não penetrem na boca do próximo nem pronunciem a palavra liberdade,
porque agora caiu inteira da torre para o reservatório,
chocou contra o gelo e gretou-se como um lábio adolescente,
devo dizer-vos para que deixem de fumar porque o fumo transforma-se instantaneamente em estalactites,
tenham cuidado com os cabos da luz e os véus de noiva,
abram a porta com cuidado não vá aparecer o frio com a sua roupa de lata,
deixem de sorrir se querem segurar um raio entre os lábios,

porque está frio e comprei o jornal para comprovar uma vez mais a falta de informação.

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