A ESTAS HORAS
Nas bocas do
metro ninguém espera
ninguém. Vêem-se apenas mãos,
extremidades mutiladas. Sob
a terra ouvem-se comboios e definhas,
ouvem-se detonações onde brilha
um instante a tua ausência e o meu infortúnio.
Nada, de resto, está mudado.
O tempo é ainda uma ponte escura,
metálica, condenada, ou certa música
que atrás de mim dura destecendo-se.
E tu, mensageira do outono,
já não poderás perder-te nesta névoa.
Na torre, um
sentinela aguarda,
traça sinais bem visíveis, sente
o preguiçoso ritmo dos teus passos
pela vereda das indecisões.
Haverá outro
tecto para teu refúgio?
Eu próprio, ó morte, sou a tua casa.
ninguém. Vêem-se apenas mãos,
extremidades mutiladas. Sob
a terra ouvem-se comboios e definhas,
ouvem-se detonações onde brilha
um instante a tua ausência e o meu infortúnio.
Nada, de resto, está mudado.
O tempo é ainda uma ponte escura,
metálica, condenada, ou certa música
que atrás de mim dura destecendo-se.
E tu, mensageira do outono,
já não poderás perder-te nesta névoa.
traça sinais bem visíveis, sente
o preguiçoso ritmo dos teus passos
pela vereda das indecisões.
Eu próprio, ó morte, sou a tua casa.
RIO
O rio adolescente
perdia-se, na planície,
gozosamente triste, como
o coração.
HÖLDERLIN
Chamaram
pós-guerra a este troço de rio,
a este viveiro
de mortos, à cidade, aquela
dobrada como
árvore velha, sempre cravada
na terra como se
fosse uma cruz. E gritaram:
«Alegria!
Alegria!»
Eu era um rio
nascente,
era um homem
nascente, com a tristeza aberta
como uma porta
branca, para que o vento entrasse,
para que
entrasse e agitasse as folhas
do calendário
imóvel. Castelos no ar
e, embora no ar,
derrubados, os sonhos
feitos pedra,
madeiras que não querem arder,
raios de sol
manchando os vidros mais puros,
altíssimas
pombas que já não conseguem voar…
Estão a vê-lo?
Vocês, os que vêm de longe,
vocês que têm o
braço livre como as águias
e levam nos lábios
uma rubra alegria,
passem, fitem-se
em mim, tenham fé. Eu era um rio,
eu sou um rio e
tenho marcado a fogo o tempo
da dor
bombardeada. Minha idade, minha idade de homem,
não o esqueçam,
um dia perder-se-á na terra.
A HISTÓRIA
COMEÇA AQUI
A história
começa aqui. Foi numa tarde
em que as pombas
se haviam tornado
mais brancas,
mais tranquilas. Como sempre
saí para o
jardim. À volta não havia
ninguém: a mesma
flor de ontem, a mesma
paz, as mesmas
janelas, o mesmo sol.
À volta não
havia ninguém: uma árvore,
um balcão, cinza
naquele monte
longínquo. À
volta não havia ninguém.
Mas este vento o
que é, quem me apanha
o coração e mo
levanta tenso,
e o funde e mo
levanta tenso? Uma
rapariga azul na
orfandade do ar
arrumava os
pássaros. As suas mãos
acariciavam com
piedade a árvore,
e o balcão, e
aquele longínquo monte
em cinzas. O
jardim ardia ao sol.
Olhei-a. Nada.
Olhei-a outra vez,
e nada, e nada. À
volta, a tarde.
COISAS
INESQUECÍVEIS
Mas antes de
tudo pensa nesta pátria,
nestes filhos
que serão um dia
nossos: o menino
lavrador, o menino
estudante, os
meninos cegos. Diz-me
o que vai ser
deles quando crescerem
e forem altos
como eu e desamparados.
Por mim, pelo
nosso amor de cada dia,
nunca esqueças,
peço-te que não esqueças.
Nascemos os dois
com a guerra. Pensa
no quão má foi
aquela guerra para
os pobres. O
nosso amor podia ter sido
bombardeado, mas
não foi.
Os nossos pais
podiam ter morrido
e não morreram.
Alegria! Tudo
esquece. É o
amor. Mas não. Existem
coisas
inesquecíveis: esses olhos
teus, aquela
guerra triste, o tempo
em que virão os
pássaros, as crianças.
Acontecerá em
Espanha, nesta terra
má que tanto
amei, que quero tanto
que ames tu até
chegares a odiá-la. Amo-te,
gostaria de não me
lembrar da pátria,
deixar tudo
aquilo para trás. Porém,
não podemos
alheadamente
viver e pronto,
amar-nos, onde um dia
morreram tantos
justos, tantos pobres.
Ainda que apesar
do nosso amor, lembra-te.
PRAIAS DE EXMOUTH
Pergunto-me se
um homem, diante destas praias,
tem o direito de
que se lembrem
do seu amor, do
que outrora pronunciaram
os seus lábios,
dos seus passos pelos caminhos
ao sol, ou das
suas mãos
que na noite se
fundiam de vez em quando, ou iam
entrelaçadas às
tuas
como a um
presente vivo de cristais.
E se assim for,
se tu me esperares,
hei-de estender
os braços neste mar do norte
e atracarei em
ti.
Porque se neste
instante tu estás além com conchas,
estreitando o
teu olvido às minhas palavras,
e se as sentes
como verdadeiras,
eu não estou
esquecido.
Dez, doze barcas
de pescadores,
como se atadas
também à minha esperança,
estão aqui e
estão a puxar-me
a mim mesmo, ou
talvez
não estejam tão
perto assim, mas na distância.
O meu coração
poderia recordá-las,
conduzi-las a
outro tempo.
Barcas que vi a
teu lado certa manhã,
em Espanha, a
dois passos
da felicidade de
estar contigo.
OESTE A SÓS
Eu estava lá, debaixo das rodas
de uma locomotiva, na Califórnia.
Longas mãos do vento derramavam
areia em meus olhos, ouviam-se cascos
de cansados cavalos invisíveis.
Em volta, o ar aprisionava
a tristeza do Oeste a sós.
E eu não escutava nada, resvalava
pelo deserto ensanguentado o rio
da memória até à sua fonte: tu
soluçavas no fundo da noite,
filmando entre os teus lençóis longínquos
a minha repetida imagem fugitiva.
Assobiou de novo a locomotiva
e no silêncio que se seguiu não houve
ninguém para salvar-me. Desde então
tudo foi amargo e sem retorno como
um oásis na aridez do tempo.
Assim, enquanto a luz desfalecia,
procurei em vão a chuva redobrada
sobre o ardor da nossa juventude
e, desandando os caminhos, desejei
regressar vencido a casa, descer
à segurança do teu quarto, não ter
sonhado nunca com esta viagem
impossível, frustrada enfim, à América.
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